Por Ailton Terezo
Recentemente divulguei uma reflexão intitulada: “Agrotóxicos, venenos ou remédios? Visões políticas e fatos científicos desconexos que podem matar a galinha dos ovos de ouro de Mato Grosso”. Já no subtítulo está claro que o tema é espinhoso e requer debate sério, tranquilo e, principalmente, estudos e ações de longo prazo. Logo no início daquele artigo indiquei que me arriscaria num incêndio, antevendo que alguns dos meus pares, no meio acadêmico, me julgariam, sumariamente e, tentariam me jogar para arder na fogueira.
Pois bem, desde a circulação na mídia local vieram inúmeras manifestações. Algumas sugeriram que o Boeing 747 Supertanker, usado para o combate aos incêndios florestais, deveria ser usado pelos agricultores para despejar pesticidas, que cigarro não se compara com alimentos, que a agricultura químico-dependente deve ser banida, que não sei o mínimo de toxicologia, que galinha dos ovos de ouro é um termo da direita “Bolsonarista”, dentre outras coisas, chegando ao ponto de me acusarem de estar vendido ao setor produtivo. Num primeiro momento, as manifestações me produziram incômodo, estranheza, tristeza e até um sentimento de revolta. Fiquem certos de uma coisa: ciência, moral, ética e responsabilidade não têm preço e não devem ter lado político.
Após baixar um pouco do burburinho, estou convicto de que todas as provocações são necessárias para a busca de equilíbrio e soluções para o tema. Neste sentido, na última quinta-feira (07/11/2019) estive em um encontro ampliado na sala de reuniões da presidência da ALMT, a Casa de Leis de Mato Grosso. Para um cientista, cuja rotina é sala de aulas, discussão de trabalhos acadêmicos em congressos, seminários, workshops, bancas examinadoras de graduação, mestrado e doutorado e publicação de artigos científicos nacionais e internacionais, a ocasião era importante, de pompa e circunstância. Pois bem, coloquei meu terno de uso restrito na colação de grau de novos Químicos e Químicas na UFMT e lá fui eu, “xique-no-úrtimo”. Foi um momento onde representantes, dos setores público e privado, puderam expor visões e preocupações para os Deputados presentes. Destaco e parabenizo a iniciativa, presença e atuação do Deputado Xuxu Dalmolin e do Deputado Lúdio Cabral, de lados opostos na política, mas dispostos a falar e ouvir com muito respeito, desde a abertura até o encerramento dos trabalhos. Nas exposições o tabaco foi lembrado. Segundo o relator, historicamente as suspeitas de que o fumo causava câncer datam dos idos da década de 50 e a comprovação veio somente 30 anos depois. Embora todos nós saibamos dos malefícios, passados mais de meio século, a venda e consumo de tabaco continuam. Proibir não parece ser a solução. O aumento da taxação de impostos foi adotado, campanhas educacionais e novas regras de propaganda foram adotadas. Todas essas medidas contribuíram para a redução do número de fumantes. Porém, ainda existem muitos no Brasil e, infelizmente, verifica-se a invasão e comercialização de cigarros contrabandeados.
Apesar da complexidade, após a reunião na ALMT, reitero minha convicção de que temos chance de enfrentar o tema da contaminação por resíduos de agrotóxicos no Mato Grosso, com a competência científica necessária. Mais uma vez a discussão técnico-científica se pautou, em sua maioria, por exemplos de outros estados e países. Vejam bem. Não se trata de desconsiderar estes estudos. Ao contrário, as evidências e hipóteses apontadas devem ser a base para que façamos algo fidedigno e eficaz aqui na nossa casa mato-grossense.
Conforme manifestei na Casa de Leis, a Química tem um papel central para uma condução séria e equilibrada desta questão. Estou servidor público na UFMT há exatos 13 anos. Nesse período pude perceber uma transformação importante na melhoria de condições de formação de recursos humanos e infraestrutura. Na convivência diária com docentes, técnicos administrativos e estudantes, entendi que a UNIVERSIDADE é lugar de gente que sonha um mundo ideal, quase que um modelo teórico. Isso é vital para uma Universidade de pensamento livre e autônomo. Porém, sonho e realidade são coisas muito distintas e a materialização requer muito trabalho e dedicação, para fora do conforto dos livros e a proteção dos muros da própria academia. Precisamos retomar o protagonismo da ciência. O tripé fundamental da universidade no país é ensino, pesquisa e extensão. Devemos formar recursos humanos qualificados e críticos, produzir pesquisas de qualidade e, por meio da extensão, aplicar estes conhecimentos em toda a sociedade, de aldeias indígenas ao agronegócio, sem exclusão.
Na UFMT este esforço vem sendo feito há 47 anos. Nos últimos anos a Química vive momento de colheita daquilo que foi semeado, desde a fundação da nossa Universidade. Recentemente, o curso de graduação em Química da UFMT obteve nota máxima no INEP/MEC e foi reconhecido como melhor do país pelo Conselho Federal de Química, destacando “que o projeto pedagógico tem como aspecto principal a manutenção de um núcleo de fundamentação sólida e abrangente em Química, avançando pela área tecnológica com espaços para a discussão de temas como a Inovação Tecnológica, a Química Ambiental, o Aproveitamento de Resíduos e a Química Verde” (http://cfq.org.br/noticia/ranking-dos-melhores-cursos-de-quimica-federais-dominam-lista-dos-melhores/). O resultado é fruto de trabalho coletivo e mostra que o “Complexo de vira-latas” foi banido.
Atualmente, os produtos químicos garantem a produção de alimentos em grande escala. Na ALMT, relatei dados compilados do IMEA/FAMATO mostrando que os defensivos e fertilizantes usados na agricultura mato-grossense, representaram movimentação financeira de mais de 100 bilhões de reais, nas últimas cinco safras de soja, milho e algodão. Está claro que os agricultores sonham em reduzir o uso destes produtos, pelo simples fato de que isso representa diminuição no custo de produção de alimentos. Isso requer muito trabalho conjunto para se tornar realidade, caso contrário fazer a transição para práticas mais econômicas e, principalmente, mais sustentáveis continuará sendo um sonho. Já existe consciência nos agricultores e lideranças do setor para esta necessidade.
Então, como avançar? Muita coisa está sendo feita no setor, como produção de agroquímicos mais eficientes e atóxicos, introdução de controles biológicos, práticas de agricultura regenerativa e de precisão, definição de modelos e áreas de agroecologia, produção de orgânicos, qualificação de mão-de-obra para o uso e manuseio corretos, dentre outras ações. No caso dos agroquímicos tóxicos, nós devemos voltar o olhar para dentro do nosso estado e realizar um profundo estudo, multidisciplinar, de longo prazo, visando mapear todo o cenário e a dinâmica dos pesticidas nos ecossistemas.
A iniciativa privada, que movimenta e lucra com a venda de defensivos e fertilizantes, deve agir e investir se de fato estiver em busca de sustentabilidade para suas atividades. Por outro lado, o estado não deve, simplesmente, impor taxação para aumentar a arrecadação, sob o argumento de que os recursos devem ser usados para combater os malefícios dos agrotóxicos. Infelizmente, isso é jogar recurso financeiro na vala comum ineficiente do estado brasileiro, que não consegue, sequer, fornecer serviços básicos de saúde, segurança e educação de qualidade. É preciso que se estabeleçam parcerias público-privadas transparentes, eficientes e eficazes.
A base deste trabalho é a Química, por meio da amostragem correta e análise química destas substâncias, que só será inquestionável quando for desenvolvida com rastreabilidade e certificação de qualidade, de acordo com padrões internacionais. A partir daí, em atuação colaborativa com as diferentes áreas de conhecimento, poderemos adotar medidas preventivas e corretivas, bem como estabelecer limites ou banir o uso daquilo que só traz malefícios.
Xô’mano!! Estamos prontos para buscar convergências neste desafio coletivo!!
Xô Vira-latas, juntos somos digoreste!!
Professor Ailton J. Terezo é Doutor em Química de Materiais – UFMT.